RIACHÃO

Conheça a história do cantor Riachão

Texto: Marla Rodrigues |

Foto: Douglas Campos

A música é a vida de Riachão. Na infância, seus pais, D. Stephania Rodrigues e Sr. José Euzébio Rodrigues não tinham rádio e nem vitrola, mas o vizinho tinha e ligava na rádio Sociedade da Bahia, que tocava as músicas do Rio de Janeiro. “Eu, criança, ia pra casa do vizinho e ficava ali, ouvindo e aprendendo, e aquelas músicas que eu aprendia, cantava nos aniversários, porque antigamente era uma alegria na pobreza que não tinha tamanho”, recorda.

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Aos quinze anos, sua mãe, D. Stephania Rodrigues, o colocou para trabalhar como alfaiate na Praça da Sé, centro histórico de Salvador, local onde se concentrava o comércio de lojas que vendiam material para o trabalho dos alfaiates. Sua primeira composição veio da inspiração de uma frase num pedaço de jornal rasgado encontrado no chão, no momento em que se dirigia a uma loja do centro: “Se o Rio não escrever, a Bahia não canta”. Aquela frase não saiu mais de sua cabeça. Ao acordar no dia seguinte, compôs a primeira das centenas de músicas que viriam sucessivamente.

 Expoente da era de ouro do rádio baiano nas décadas de 1940 e 1950, aos 23 anos ingressou na Rádio Sociedade, onde cantou com um trio vocal no programa de auditório Show Pindorama. Riachão e seu trio interpretavam de serestas a sertanejas, mas não demorou a se apresentar sozinho. O que ele queria de verdade era se dedicar totalmente ao samba. Tendo como inspiração Dorival Caymmi, seguiu o caminho do samba irreverente, compondo sambas bens humorados como “Retrato da Bahia” e “Bochechuda e Papuda”, que lhe renderam o Troféu Gonzaga. Suas primeiras composições foram gravadas por Jackson do Pandeiro, “Meu Patrão”, “Saia Rôta” e “Judas Traidor”. Depois de Dorival Caymmi, Riachão foi o primeiro compositor baiano a gravar no Rio de Janeiro na década de 50.

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Mais tarde foi gravado pelo cantor Eraldo Oliveira (“A Nega não quer Nada”) e pela cantora Marines (“Terra Santa”). Ainda na década de 50, Riachão compôs pérolas como “A Morte do Motorista da Praça da Sé”, “A Tartaruga”, “Visita da Rainha Elizabeth” e “Incêndio no Mercado Modelo”, verdadeiras crônicas. “Tudo que eu cantava era dos acontecimentos, eu gostava muito de caminhar pela cidade, encontrar com os malandros, beber uma cachacinha. Acontecia alguma coisa, Jesus mandava uma música, eu não me preocupava em fazer uma música escrevendo, ela vinha na minha mente”, revela.

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Apesar de ter o talento reconhecido pela crítica e por grandes artistas da MPB, Riachão não conseguia se inserir no mercado. Mas, no início da década de 70, os bons ventos sopraram em sua direção. Em 1972, com mais de 400 sambas, nenhum fez tanto sucesso quanto “Cada Macaco no Seu Galho”, gravado por Gilberto Gil e Caetano Veloso após o exílio em Londres. Em Salvador, chegaram alguns executivos de uma gravadora carioca que pretendiam escolher a música de um compositor baiano para marcar a volta dos tropicalistas ao mercado fonográfico nacional.

Marcaram uma audição com alguns sambistas que boicotaram Riachão, que só ficou sabendo do evento porque trabalhava como contínuo num banco. O seu chefe, o Dr. Gadelha, pai de Sandra e Dedé, esposas de Gil e Caetano, lhe deu o endereço da reunião. Riachão rumou para o local sem imaginar que a sua canção seria a escolhida. Ele chegou sozinho e cantou “Cada Macaco no Seu Galho”. “Eles olharam um para o outro e aí fizeram o sinal de positivo com o dedo, gritando ‘é essa, é essa a música, malandro!, relata Riachão. Nas vozes de Gil e Caetano a música se tornou sucesso em todo o país. Com tristeza, Riachão lembra que não foi convidado para a festa de lançamento. “Acho que eles esqueceram de me convidar”, lamenta. Mas isso não o impediu de assistir tudo pela televisão e ainda assim se emocionar.

Em 1973, gravou o álbum “Sonho de Malandro”. No disco, predominam os sambas da malandragem, que é também a marca registrada da sua obra, mesclando metais, acordeom, flauta, coro de pastoras e até um regional de choro. Pouco divulgado, o disco não emplacou e vendeu pouco. Não foi um momento bom para Riachão. Mas o bom malandro deu a volta por cima e, no ano de 1975, ao lado de Batatinha e Panela, também representantes do samba baiano, gravou o disco “Samba da Bahia”, no qual interpretou “Vou chegando”, “Fúfú”, “Cada macaco no seu galho”, “Pitada de tabaco”, “Ousado e mosquito” e “Até amanhã”, todas de sua autoria. Ainda neste mesmo LP, interpretou “Terra hospitaleira”, de autoria de Edson Santos e Goiabinha.

Riachão, Batatinha e Panela – Samba Da Bahia (1973, Vinyl) - Discogs

 

Em 1976, nos anos tenebrosos da Ditadura Militar, Riachão teve um samba proibido pela censura. A letra da música “Barriga Vazia” falava da fome: “Eu, de fome, vou morrer primeiro / você, de barriga, também vai morrer um dia”. Como um rastilho de pólvora, a notícia da censura correu a cidade e, num show no ICBA, em 1976, a plateia universitária frequentadora contumaz do espaço cultural, localizado em um bairro de elite em Salvador, exigiu que Riachão a cantasse. O público pediu com tanto entusiasmo que o músico se viu obrigado a cantar o samba, fato que repercutiu na imprensa como uma provocação do sambista aos militares. Desse episódio, só resta uma vaga lembrança.

Em 1997 a EMI lançou o disco “Diplomacia”, de Batatinha. No disco, juntamente com Ederaldo Gentil, Nélson Rufino, Walmir Lima e Edil Pacheco, participou da faixa “De revólver, não”, de autoria de Batatinha e Walmir Lima. No ano de 1999 participou do curta-metragem “Rádio Gogó”, de José Araripe Jr.

A obra de Riachão soma aproximadamente 500 composições, e por ser um representante da tradição oral, suas canções nunca foram documentadas. Segundo ele, a Rádio Sociedade da Bahia (onde trabalhou) guardava todas as suas músicas. “Teve um incêndio e destruiu tudo, mas Jesus me mandou de novo. Tem outras que não consigo lembrar, não chegam mais à minha mente” diz. Nos últimos 15 anos, Riachão tem se mantido ativo. Em 2000, lançou o CD “Humanenochum”. O disco trouxe participações especiais de Caetano Veloso na faixa “Vá morar com o diabo”, Carlinhos Brown em “Pitada de tabaco”, Tom Zé na música “Cada macaco no seu galho”, Armandinho e Dona Ivone Lara. Segundo o próprio cantor, o nome do disco quer dizer “Homem humano que ama a mulher e não a maltrata”, uma homenagem a sua mulher Dalva, companheira de quase 40 anos de convivência.

Em 2001, no Festival de Brasília, foi exibido o documentário “Samba Riachão”, de Jorge Alfredo. O documentário contou com os depoimentos de fãs ilustres do compositor, como Carlinhos Brown, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Dorival Caymmi, Tom Zé, entre muitos outros. Neste mesmo ano, Cássia Éller interpretou “Vá morar com o diabo”, no Acústico MTV. Em 2002, fez participação especial no seriado “Pastores da noite”, da Rede Globo, baseado em romance homônimo de Jorge Amado.

Atelier Rodolfo Carvalho: Caricatura: Riachão

Em 2004, participou do projeto “Brasil de todos os sambas”, série de shows do Centro Cultural Banco do Brasil que reuniu representantes do samba de vários estados do país. No ano de 2005, apresentou o show “Noite baiana” no Cité de la Musique, em Paris, e ainda participou da roda de samba promovida por Gilberto Gil no evento “TIM PercPan 2005”.

O apelido “Riachão” ganhou ainda na infância, explica:

Quando menino, eu gostava muito de brigar. Mal acabava uma peleja, já estava eu disputando outra. E aí chegavam os mais velhos para apartar, empregando aquele ditado popular: você é algum riachão que não se possa atravessar”.

São Paulo da Garoa, por Riachão – Sr. Brasil – 22/12/2013

Caetano e Gil – Cada macaco no seu galho

Cássia Eller – Vá morar com o diabo

Sambas e Dissembas – Riachão

 

 

 

 

 

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