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NELSON GONÇALVES

Cantor com uma biografia tão extremada quanto suas canções, o gaúcho falecido em 1998 volta no streaming e no livro

Silvio Essinger

RIO – Um cantor para depois do quarto uísque, que é quando os pudores afrouxam, os ânimos se exaltam e o sentimentalismo toma de assalto. Durante boa parte da sua existência, essa foi a fama de Nelson Gonçalves, uma das vozes mais populares do Brasil, que se calou em 18 de abril de 1998 e hoje completaria o seu centenário.

Um selo dos Correios e um programa na Rádio Batuta, do Instituto Moreira Sales (IMS), apresentado pelo colunista de O GLOBO Joaquim Ferreira dos Santos, são homenagens de acordo com o tempo em que Nelson Gonçalves era um dos cantores mais populares do Brasil. Para as novas gerações, o aniversário será marcado pela chegada às plataformas de streaming de 35 álbuns do intérprete que cultivou uma imagem tão extremada quanto a de suas canções — grandes sucessos da música brasileira que tratavam de amores torturados, desejos irrefreáveis, noites de desvario e vidas condenadas pelo pecado.

Maior vendedor de discos no Brasil nos anos 1950, o gaúcho de Santana do Livramento encarnava o arquétipo do macho alfa: mulherengo, valentão, beberrão, dono de uma potente, empostada e grave voz, com uma gigantesca autoconfiança que ele fazia questão de desfilar em suas entrevistas.

O primeiro grande golpe, Nelson sofreu em 1958, com a bossa nova — um jeito mais macio de cantar e uma sensibilidade mais solar que iam contra todo o seu ethos. O segundo, em 1966, quando foi preso em casa, em São Paulo, acusado de tráfico de cocaína (na qual estava viciado).

Com o tempo, cada uma de suas bravatas — a de que fora pugilista implacável, cafetão, malandro da Lapa, amante que levava as mulheres a atear fogo ao próprio corpo e cantor elogiado por Frank Sinatra — foi caindo por terra. Especialmente após a publicação, em 2002, da biografia não-autorizada “A revolta do boêmio”, de Marco Aurélio Barroso. Mas o talento não.

— Não dá para contestar que o cancioneiro do Nelson não só é espetacular, como permanece no inconsciente popular até hoje, a despeito da falta de memória do brasileiro — defende o jornalista Cristiano Bastos, que em setembro lança “Metralha”, biografia do cantor na qual vem trabalhando há 13 anos. — Nelson chega aos 100 anos reabilitado, embora esquecido.

Consagrado como o Rei do Rádio, com sucessos como “A volta do boêmio”, “Meu vício é você” (“Eu quero esse corpo / que a plebe deseja / embora ele seja / prenúncio do mal”), “Fica comigo esta noite” e “Negue” (todas do parceiro e mentor Adelino Moreira), Nelson teve muitas dificuldades de voltar à carreira depois da prisão. Cantou em circos por cachês irrisórios, foi barrado em programas de TV, mas seguiu gravando discos.

Nelson Gonçalves, em 1997, quando lançou seu último álbum, “Ainda é cedo” Foto: Marco Antônio Teixeira / Agência O Globo

Em 1997, pouco antes de morrer e com resquícios da voz de ouro dos anos 1950, ele ainda lançou o CD “Ainda é cedo”, com canções do rock brasileiro como “Meu erro” (Paralamas do Sucesso), “Como uma onda” (Lulu Santos), “Nada por mim” (Kid Abelha) e a faixa-título, da Legião Urbana. “O Lulu Santos ouviu comigo e começou a chorar”, gabava-se Nelson. Postumamente, o álbum ganharia um disco de ouro, por suas vendas acima de 100 mil cópias.

Para o pesquisador Rodrigo Faour, que fez a curadoria dos relançamentos de Nelson Gonçalves no streaming, o cantor ainda tem muito a ensinar as novas gerações em termos de afinação, coerência e integridade do trabalho:

— Ele gravou de 1941 a 1997 sem parar, sem trair seu público, mantendo seu estilo. Afora isso, guardando as devidas proporções, seu som tem algo de atual. É só reparar que hoje as músicas românticas do sertanejo e do forró eletrônico que mais fazem sucesso são, no fundo, cabareteiras. Nelson já fazia seus sambas-canção, sambas e tangos cabareteiros nos anos 1940, 50 e 60.

 

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