Millôr Fernandes (1923-2012) foi um desenhista, humorista, tradutor, escritor e dramaturgo brasileiro. Era um artista com múltiplas funções. Escreveu colunas de humor para as revistas O Cruzeiro e Veja, para o tabloide O Pasquim, e para o Jornal do Brasil.
Millôr Viola Fernandes nasceu no bairro do Méier, no Rio de Janeiro, no dia 16 de agosto de 1923. Era filho do engenheiro Francisco Fernandes um imigrante espanhol, e de Maria Viola Fernandes. Deveria ter se chamado Milton, mas a caligrafia do tabelião o fez Millôr.
Ficou órfão de pai quando tinha 2 anos de idade. Passou a infância ao lado da mãe e dos irmãos, Hélio, Judith e Ruth, época em que enfrentaram dificuldades financeiras.
Aos 12 anos, perdeu a mãe e os irmãos se separaram. Millôr foi morar na casa de um tio materno. Com habilidades para o desenho e leitor de histórias em quadrinho, copiava quadro por quadro com perfeição.
Início de carreira
Incentivado pelo tio Antônio Viola, Millôr levou seus desenhos para o periódico “O Jornal”, que logo foi publicado lhe rendendo uns trocados.
Com 15 anos conseguiu seu primeiro emprego como contínuo na revista “O Cruzeiro”, de Assis Chateaubriand. Para se aperfeiçoar em sua especialidade matriculou-se no Liceu de Artes e Ofícios.
A primeira oportunidade de exibir seu talento foi com a convocação para preencher o espaço vago de publicidade em uma página da revista “A Cigarra”.
Millôr deu o nome de “Poste-Escrito” ao conjunto de frases, versos, textos inteligentes e engraçados. A página fez sucesso imediato e acabou por virar uma coluna fixa na revista.
Millôr assinava a coluna com o nome de “Vão Gôgo”, alcunha que usou durante um longo período.
Revista O Cruzeiro
No começo dos anos 40, Millôr começou a assinar a coluna “O Pif-Paf” para a revista “O Cruzeiro”, em parceria com o cartunista Péricles. Continuou assinando com a alcunha, mesmo durante o período áureo na revista, entre 1945 e início dos anos 60.
Como desenhista, dividiu o primeiro lugar com o americano Saul Steinberg, em um concurso realizado na Exposição Internacional do Museu da Caricatura de Buenos Aires, em 1956.
No ano seguinte, organizou uma exposição individual com seus desenhos e pinturas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Sua coluna “O Pif-Paf” (que depois viraria uma revista à parte, de vida breve) foi um dos carros chefe da maior publicação nacional do período. Já confiante, em 1962, assumiu seu nome da certidão.
Em 1963, publicou em O Cruzeiro uma versão da história de Adão e Eva, que despertou a ira religiosa dos leitores e terminou com sua demissão da revista, acusado de fazer matéria “insultuosa às convicções religiosas do povo brasileiro”.
Além de seu espírito provocador, Millôr tinha uma grande capacidade de criar aforismos e suas ilustrações estavm repletas de humor e criatividade:
Veja e Pasquim
Em 1968, Millôr passou a publicar seu trabalho na revista Veja. Nesse mesmo ano, ajudou a criar “O Pasquim”, um tabloide que fustigava a ditadura militar e que, na opinião de Millôr, “se fosse independente não duraria 100 dias e se durar 100 dias não é independente”. O jornal durou 8 173 dias.
Millôr insistiu em fazer propaganda política para Brizola, então candidato ao governo do Rio de Janeiro, na sua seção da Veja, foi então demitido em 1982. Porém, voltou a escrever para a revista em 2004, permanecendo até 2009.
Em 1970, os responsáveis pela editoria e fechamento do Pasquim foram presos, entre eles, Ziraldo, Fortuna, Sérgio Cabral e Paulo Francis, que permaneceram dois meses na cadeia.
Em 1971, Millôr assumiu a presidência do Pasquim, que estava submetido à censura prévia. A liberação do tabloide só veio em 1975.
Outros trabalhos
Millôr Fernandes foi ainda colunista da revista Isto É,
do Jornal do Brasil, do Estado de São Paulo, O Dia, o Correio Brasiliense e a Folha de São Paulo. Millôr também escreveu várias peças teatrais, crônicas e diversos livros.
Millôr Fernandes foi casado com Wanda Rubino entre 1948 e 2012. Com ela teve dois filhos, Ivan e Paula.
Morte
Em 2011 Millôr Fernandes foi vitimado por um AVC, que lhe deixou bastante debilitado, e que lhe levou a permanecer por um longo período no hospital.
Millôr Fernandes faleceu em sua casa em Ipanema, Rio de Janeiro, no dia 27 de março de 2012.
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O BOM HUMOR INTELIGENTE DE MILLÔR FERNANDES EM 40 PENSAMENTOS
40 ideias do bem-humorado Millôr Fernandes: grande escritor, jornalista, tradutor e desenhista brasileiro.
Millôr Fernandes foi um grande escritor, jornalista, tradutor e desenhista brasileiro. Ele nasceu no bairro do Meyer, Rio de Janeiro. Tem mais de 35 livros publicados. Fez 57 traduções de peças para o teatro, e escreveu outras 22 delas. Montou cinco grandes exposições literárias e ainda esboçou três roteiros para o cinema.
Quando novos acontecimentos marcantes ocorrem pelo Brasil, por vezes queremos saber o que pensam as personalidades que respeitamos. Millôr era uma destas pessoas de interesse. Suas opiniões críticas e seu humor inteligente alcançam leitores de pelo menos duas gerações, desde a década de 1950, quando ainda jovem lançou-se como redator de uma revista chamada O Cruzeiro.
Em aproximadamente 50 anos de carreira, o carioca produziu textos e colunas para publicações importantes como Veja, O Pasquim e O Jornal do Brasil. Seu estilo satírico, por vezes sarcástico, lhe fez ser, por várias vezes, censurado, mas isso não impediu que bem produzisse suas contribuições ao setor de jornalismo.
Embora tenha falecido em 2012, aos 88 anos de idade, sua persona ainda é privilegiada por seus admiradores. No Brasil, respeita-se Millôr, apesar das controvérsias, e de seus pensamentos podemos aprender, e muito rir.
Em uma obra lançada pela Editora Senac São Paulo, chamada O Livro Vermelho Dos Pensamentos de Millôr, foi feita uma homenagem ao autor em antologia contendo diversos de seus pensamentos. Confira 40 deles:
Educação: “Olhar sempre de vários ângulos para a percepção mais exata possível do acontecimento, na certeza de que tudo é relativo, o que, é óbvio, elimina, inclusive, a relatividade absoluta. Um sábio chinês, só escrevendo com caracteres chineses, será sempre analfabeto.”
Deseducação: “Nas escolas e universidades de um país subdesenvolvido, o aluno paga adiantadamente por um péssimo produto que só vai receber dali a anos. Sua tendência natural é, pois, vender ainda mais caro o que comprou tão caro e não deixar que se mudem de maneira alguma as regras da cultura vigente a fim de não perder tão precioso patrimônio.”
Sistema educacional: “O sistema educacional vigente é apenas uma maneira de levar a ignorância às suas extremas consequências.”
Objetivos: “A questão de não deixar para amanhã é fundamental. Se você escrever uma página por dia, terminará seu livro em um ano. Se escrever uma linha por dia, talvez termine seu livro em 30 anos. Se você não escrever nem uma palavra por dia, seu trabalho jamais será concluído. Examine bem seus objetivos.”
Religião: “A vida é breve e da morte ninguém sabe nada. Mas basta ler um pouco de história para verificar que tem muita gente importante que já estava morta há mais de 10.000 anos. Então, uma coisa é certa: a morte não pode ser definitiva, mas é por muito tempo.”
Mídia e Comunicação: “O terror do século é a apropriação dos termos por uma mídia que não sabe, ela própria, o que está dizendo. Uma semântica desvairada aterroriza o homem comum que, ao ler o jornal diariamente, encontra ali palavras que não existiam ontem e vão se tornar moda, ou serão esquecidas, amanhã. Essas palavras, se tomadas em seu significado exato e preciso, não têm sentido no uso diário. Se tomadas no significado que adquiriram quando popularizadas, passam a ser aterrorizantes, acenando para o homem comum com um mundo que ele não compreende e muito menos quer. Daí o pânico geral. Daí vivemos no mundo ideal para os psicanalistas.”
Imprensa: “Assim que os tipos móveis se provaram como uma revolução na arte de imprimir, imediatamente os meios de produção se apoderaram deles e os colocaram a seu serviço. Isto é, a imprensa, logo ao nascer, não foi um modelo de ampliação da cultura, mas apenas um modo de filtrar para maior número de indivíduos, o tipo de informação que interessava à classe dominante. Passou não apenas a ser uma forma de divulgar mentiras, como, também, de ocultar toda verdade que não interessasse aos poderosos. Gutemberg, em verdade, não inventou à imprensa. Inventou a imprensa marrom.”
Radicalismo: “O radicalismo é quase sempre inútil e são sempre louváveis as virtudes da contenção, a ciência do medo. Mas não há excessos no sexo, pois ele é auto-regulável. E o álcool, tomado com moderação, não oferece perigo nenhum, mesmo em grandes quantidades.”
Política: “Candidate-se. Por mais idiota que você seja, sempre haverá um número suficiente de idiotas maiores do que você para acreditar que você não o é.”
Métodos de ação: “A medida de cada um não é a mesma e isso deve ser levado sempre em conta na ação humana, onde, mais do que em qualquer outra ciência, quem pode o mais pode o menos, mas a recíproca não é verdadeira. Todo sábio, de vez em quando, banca o idiota. Mas quando o idiota quer bancar o sábio só consegue ficar mais idiota.”
Liberdade: “Quem quer liberdade? A liberdade exige decisões pessoais para todos os dilemas diários: saio, não saio, vou, fico. A cada ato, cada desastre, cada notícia corresponde uma atitude e um esforço para o qual o ser normal não foi adequado. Só um tarado liberal aprecia a liberdade total. O homem médio prefere se entregar a prepostos, ama despachantes, obedece a mestres, serve a diretores, mitifica líderes. A própria constituição humana está talhada para a limitação. É evidente que Deus fez o homem com a cabeça maior do que o corpo para ele não poder passar por entre as grades. Ser livre não é ser libertado.”
Autocentrismo: “É preciso muita fé no ser humano para não acreditar na sua absoluta incapacidade de se autogovernar. Pelo número de ditaduras que existiram e existem no mundo, conclui-se que a suprema aspiração popular é a liberdade de não ter que decidir coisa nenhuma.”
Dialética: “Uma força irresistível não pode encontrar um obstáculo intransponível. A contradição dialética aparente se desfaz se você ou elimina o termo irresistível, ou o termo intransponível. Na prática histórica, porém, a verificação do que é irresistível e do que é intransponível tem custado muito sangue.”
Sofrimento: “Trazemos do berço um conteúdo de felicidade ou infelicidade que é preciso aprender a usar. O mais das vezes o sofrimento está em nós mesmos, não no que nos acontece. Abrindo os braços cada um de nós é a própria cruz.”
Poesia: “Uma teorização desvairada sem apoio na realidade é perniciosa. Não se conhece um simples poeta, desde a antiguidade até nossos dias, que não tenha escrito amplamente sobre o amor. Mas os poetas são, via de regra, maus amantes.”
Aparências: “As aparências trazem equívocos e os mais inflamados teóricos nem sempre são os que mais se esforçam pela causa comum. O suor do gozo é exatamente igual ao suor do trabalho.”
Humor: “O humorista é o último dos homens, um ser à parte, tipo que não é chamado para congressos salvadores do mundo, não é eleito para academias, não está alistado entre cidadãos úteis da república, semeia ventos e colhe tempestades. É um tipo que muitos acham engraçado e há até os que louvam e endeusam. Mas um dos efeitos que não pode ser tolerado pelo humorista é a própria vaidade. A vaidade vai bem ao comediante, por natureza extrovertido. O humorista, por natureza introvertido, sabe que bastará facilitar um pouco que o transformarão em estátua e mito. Mas aceitar isso será perder a substância essencial do humorista.”
Real e Imaginário: “Entre o real e o imaginário, entre o aferível e o não dimensionável, o material e o intemporal, a escolha é quase sempre impossível e nem mesmo fundamental. Qual é o melhor: aquela noite inesquecível ou aquela noite na qual você nem mesmo lembra o que aconteceu?”
Morte: “As limitações intelectuais do homem diante do mistério do universo e de seu próprio mistério metafísico são totais e simples de explicar, comparando-se com a limitação dos outros animais, que o homem aceita e compreende (porque seu orgulho não está em jogo). E porque tem o cérebro limitado como o de qualquer outro animal, o homem se apavora diante da morte, sem saber que esta é apenas uma promoção intelectual saudada com uma gargalhada. Ao morrer, o homem, subitamente untado com uma inteligência superior, bate na testa, percebe que o pesadelo era aqui e não lá.”
Dinheiro: “Num mundo em que a subsistência individual é problema de cada um, o dinheiro é um deus que compra o canil, o cão e o abanar de rabo.”
Economia: “Dentro de um sistema econômico os valores todos giram em torno dele.”
Pobreza: “Ser pobre é um pecado venial. Se conformar com isso é um pecado mortal.”
Tecnologia: “A tecnologia desvairada voltou-se contra o homem, a quem afirma, hipocritamente, querer proteger e melhorar. O ambiente se deteriora, as relações humanas apodrecem, o próprio ser humano deteriora, enquanto, em nome da auto-afirmação de uma elite de cientistas, a tecnologia floresce e progride atirando foguetes à Lua e mísseis no Vietnã. Que adianta o vidro do pára-brisas ser inquebrável se a nossa cabeça não é?”
Sistema carcerário: “O preso não é mais culpado que o carcereiro, que mantém e acredita no sistema que prende. O ato de ser preso é, para o homem médio, uma humilhação irreparável. Para o verdadeiro marginal, que vive em regime de humilhação social, pouco importa. Donde a absoluta inutilidade das prisões.”
Destruição: “Os que falam em desaparecimento do homem da face da Terra são, eles próprios, homens, falando do alto de sua presunção homocêntrica. Na verdade, o Cosmos não toma o menor conhecimento dessas lamúrias. O desaparecimento do ser humano, que corrompe a natureza, fura túneis, empesteia o ar, emporcalha as águas, apodrece tudo onde pisa, se tiver alguma importância, será positiva, e apenas para a vida desta diminuta faixa geográfica chamada Terra.”
Cultura: “A cultura é um acervo muito relativo e, individualmente, para você parecer culto, basta apenas ficar bem atento ao que o interlocutor ignora.”
Família: “Mãe, mulher, filhos, maridos, parentes, não é que sofram mais, necessariamente, mas a ligação deles entre si faz com que sejam obrigados a sofrer mais, obrigatoriamente, diante de qualquer tragédia que atinja um deles. A pragmática da ação humana é tão importante quanto a própria ação. O relógio acaba mais importante do que as horas. E quem tem um lenço se despede mais.”
Relações naturais: “A crença de que os homens são iguais é absolutamente indefensável e deriva-se apenas do fato de serem feitos da mesma maneira.”
Sociologia: “O homem é um produto do meio. O meio é um produto do homem. O produto é um homem do meio.”
Democracia: “A democracia é o último refúgio da impossibilidade do governo.”
Confiança: “A confiança é um ato de ida e volta em que a nossa ação tem uma correspondente direta e proporcional no apoio dos que orientamos, e uma coisa que só se pede quando já começaram a desconfiar.”
Loucura: “Os loucos eram tratados como criminosos, mas ainda são tratados como doentes por mero preconceito dos que detêm o poder dentro da medicina. Basta um indivíduo ter mania de andar nu para que isso seja considerado loucura. A única diferença entre a loucura e a saúde mental é que a primeira é muito mais comum.”
Vício: “Por mais hábil que seja, o jogador acaba sempre perdendo, na corrida longa. O jogo está sempre acima do jogador.”
Conceitos: “A conceituação tem mais força do que a realidade. Se, repetidamente, fazemos críticas muito desonestas a respeito de uma pessoa, nunca mais conseguiremos acreditar nela.”
Escravidão: “Séculos de egoísmo, exploração do homem pelo homem, escravatura, inconsciência e ambição desmedida. O resultado está aí para quem quiser ver.”
Liderança: “Qualquer liderança lhe fugiria se descobrissem que você é um homem extraordinário. Um líder tem que ser extraordinariamente comum.”
Justiça: “A justiça é igual para todos. Aí já começa a injustiça.”
Tempo: “O fundamental é aproveitar o tempo, não no sentido utilitário e materialista, mas no sentido do gozo existencial, do dia-a-dia, da hora-a-hora. Quem perde tempo, se perde no tempo.”
Amor: “A mais prezada das relações humanas é a relação homem-mulher, sentimental, intelectual e sexual, dita amor. Feito de mil razões sutis, palavras e tons de palavras, gesto e pressão de gestos, defeitos de visão, buscando o tempo todo, mas quase sempre chegando sem ser pressentido, o amor, contudo, não tem a mesma discrição ao ir embora.”
Vida: “Existe uma média de vida, mas que não serve de garantia para a vida individual. Ninguém é tão velho que não possa viver mais um ano; ninguém é tão moço que não possa morrer já. Aqui e agora, aproveita a vida, irmão. Talvez já tenha passado mais tempo do que você pensa.”
ENTREVISTA NO RODA VIVA 03/04/1989
O cartunista, que é também escritor, jornalista e tradutor, distribui ironias e “tiros” em críticas dirigidas principalmente aos políticos brasileiros